Sobre pessoas bonitas, inspirações, amores desmedidos, memórias, elaborações, viagens, fotografias e outros outonos. Sobre o que levo em meu coração, sempre. [licialves@gmail.com]

sábado, 26 de abril de 2014

sobre estar só, eu sei. ♪

Há algum tempo eu li uma frase, atribuída a Clarice Lispector, que dizia: 


Eu lembro que, assim como tudo que me assusta, essa frase me fascinou. E, assim como quase tudo que me fascina, essa frase não tardou em trazer um sentimento de profunda ambiguidade. 

Ao mesmo tempo que eu pensava, 'que coragem incrível! que inveja!' eu sentia um medo desesperador de enfrentar essa solidão que ela menciona. Como assim a pessoa consegue ficar sozinha e se sentir plena? então, finalmente, me ocorreu algo bastante óbvio: não interessa muito com quantas pessoas você esteja, se não consegue ficar consigo não consegue ficar com mais ninguém.  

Refletindo sobre isso, pude perceber como é difícil manter um equilíbrio saudável nas nossas relações. Às vezes sinto ser quase impossível saber até onde ir com o 'amar ao próximo como a si mesmo'(a).  São tantos ensinamentos e recomendações sobre como viver, como conduzir relações e portar-se honrando uma moral que, às vezes, boas ações e um amor 'gratuito' tornam-se prerrogativas para uma exigência desleal para com o outro. de presença, de atitude, de reciprocidade, de ajuda, de amor. Não sei exatamente como alguns de nós chegam a essa condição, só sei que isso não é nada saudável ou compatível com as belas filosofias de vida que escolhemos. 

Creio ser absolutamente necessário doarmos tempo, dinheiro, presença, atenção, trabalho, amizade, confiança, afeto, enfim, um tantinho de nós mesmos ao próximo.. mas creio também que essa doação se torna impossível de ser sustentada quando não há, antes do outro, uma doação de si para si mesmo. Eu sei que pareço estar indo contra todos os princípios humanitários por ai difundidos, mas não estou defendendo uma vida egocêntrica. o que quero dizer de fato é aquele velho cliché: ninguém pode oferecer o que não possui - mas é muito possível que exijamos o que não oferecemos ou possuímos, com mais freqüência do que talvez queiramos admitir.

Lembro-me bem de uma conversa que tive com um colega num dia ensolarado à beira de uma piscina, há pelo menos 9 anos. ele argumentou que, próximo a sua morte, Jesus mudou seu discurso ao dizer 'amai-vos uns aos outros como eu vos amei' (a), pq ele sabia que a gente 'não sabia amar a si direito'. então era necessário que aprendêssemos sobre um outro tipo de amor. imagino se isso teria sido necessário se ele tivesse percebido em nós uma consciência maior de quem somos, do que precisamos e do que queremos fazer. parece-me que conhecer a si, estar consigo e amar a si mesmo é um dos pré-requisitos para estar com o outro e amar bem. certamente, existe algum efeito psicológico positivo na liberdade de ser congruente consigo mesmo e de sentir-se capaz de fazer escolhas conscientes. essas escolhas, suponho, culminam em algo parecido com um real comprometimento consigo e com os outros, e num engajamento genuíno. 

A partir disso, arrisco afirmar que talvez o melhor presente que podemos dar a alguém é dar-mos um tempo a nós mesmos. À nossas leituras, filmes, caminhadas na praia, projetos pessoais, viagens, sonhos e mundo particular. Sem nos enchermos de nossa individualidade real e celebrarmos nossa singularidade não conseguimos estar por inteiro no todo e não acrescentamos tanto quanto poderíamos se respeitássemos o que nossos talentos e traços peculiares são e podem produzir. 

Obviamente, concordo com o que Pasternak(c) disse, que 'felicidade não compartilhada não é felicidade', mas não há muito o que se compartilhar quando não se é, quando não se dá a si mesmo a possibilidade de estar seguro -até onde se pode, e inteiro, de não oferecer metades. Que estejamos por inteiro nas organizações, nas amizades, no trabalho, na família, nos amores, nos grupos e em tudo o mais que nos propusermos a fazer, e principalmente, em nós mesmos

(a) mateus 22:39
(b) joão 15:12
(c) Doutor Jivago 


2 comentários:

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